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Contra factos não há “evidência”

Manuel Cardoso de Oliveira

Inicialmente os serviços prestados pela Medicina Baseada na Evidência (MBE) foram relevantes: começaram como uma série de artigos destinados a recomendar aos clínicos modos para ler revistas científicas, tendo evoluído para uma nova filosofa da prática médica baseada no conhecimento e compreensão da literatura médica para apoio às decisões clínicas. Criou-se, assim, a sugestão de uma medicina científica, o que indignava aqueles que se sentiam classificados como não científicos. A verdade é que este conceito se popularizou rapidamente e no Outono de 1980 apareceu um documento relativo ao programa dos internatos e da relação deste com a evidência. De então para cá assistiu-se a uma evolução destinada a obviar às limitações que foram surgindo, algumas das quais continuam a suscitar controvérsias. Quando no início dos anos 90 do século anterior surgiu a designação MBE pela primeira vez, o modo como ela se apresentou despertou entusiásticas adesões, tendo ganho raízes fortes no mundo da medicina. De tal modo foi que, quando se levantaram algumas vozes discordantes sobre o seu significado e a própria designação, muitos preferiram manter o conceito tal a aceitação que ele tinha obtido. Realmente as intenções dos fundadores da MBE trouxeram muitos benefícios para práticas artesanais que nem sempre defenderam os interesses dos doentes. Nessa altura eu estava encarregado de regências de disciplinas de cirurgia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e, com o meu habitual mas controlado espírito de inovação, senti ser pedagogicamente necessário que os alunos de medicina possuíssem noções consistentes sobre o assunto. De acordo com a opinião dos pioneiros da MBE, recorri a uma jovem epidemiologista clínica, disciplina também ela jovem e com forte ligação ao jovem conceito. Em boa hora o fiz, pois os alunos passaram a situar-se devidamente no contexto. Os anos foram passando e no início do actual século entendi que à cirurgia tinha dado o melhor de mim mesmo o que, não sendo muito, era o máximo que podia ser. De acordo com a minha postura perante novos conceitos, deixei sempre um espaço para a prova do tempo como mandam sensatamente as boas regras. E assim sucedeu com a MBE. Sentia que as minhas muitas dezenas de anos em contacto com os doentes nas suas diferentes perspectivas era um capital acumulado que não podia ser desbaratado, não me faltando razões para isso, pois verifico que em Portugal há muita gente a tratar de assuntos dos doentes nem sempre com as experiências e os conhecimentos necessários, nem tão pouco com a moderação que esse facto implica. É o mau exercício do poder, que permite o acesso aos media de personalidades, certamente muito inteligentes e poderosas, mas infelizmente sem a perspectiva real do relacionamento com os doentes. Por todos estes motivos entendi que não me devia excluir deste apaixonante debate onde pretendo participar com as intuições e reflexões que ele suscita, tentando convictamente dar o meu contributo isento e apoiado por uma cuidadosa pesquisa bibliográfica. Nos cursos pós-graduados e nas edições do MBA “Gestão de Organizações e Serviços de Saúde” que tenho coordenado, tem sido especial preocupação explicar aos alunos ( a maior parte deles licenciados e alguns até doutorados) a importância da não aceitação passiva de dados obtidos em revistas científicas (mesmo de grande nomeada) ou até em argumentos de autoridades que, não obstante, podem ser discutíveis. Verifico que a maior parte dos alunos está fora da questão da MBE, mas aqueles que se pronunciam cometem o pecado de intransigentemente a defenderem, dando assim razão para a necessidade de esclarecimentos apropriados. Acresce que o pior de tudo é que alguns desses alunos estão de tal modo mal informados que não abandonam as suas posições, argumentando por vezes que “estamos a falar das mesmas coisas com palavras diferentes”, o que manifestamente não é o caso. O que é necessário é respeitar a precisão semântica da linguagem, dando espaço para que o conceito e a definição iniciais evoluam, procurando tomar as decisões certas com a melhor evidência dispo- nível. E isto significa que não se podem aceitar hierarquias indevidas, sendo necessário que elas sejam as mais adequadas a cada contexto. Na tentativa de alterar este estado de coisas e sempre preocupado em deixar aos alunos documentos pessoais que lhes facilitem o trabalho, a juntar a outros argumentos, prometi que iria escrever um livro sobre o assunto. Tive imenso trabalho, mas o que aproveitei foi, para mim, muito compensador. Espero também o seja para os alunos e para os que são mais recalcitrantes na fixação de ideias que se desatualizam. Também penso que a melhor maneira de defender a MBE (ou se preferirem os cuidados de saúde baseados na evidência “EBHC”) é apontar as suas limitações e propor soluções consistentes. Mas isto continua a ser um campo em aberto. Por último gostaria de destacar que subdividi o ensaio por diversos capítulos numa tentativa de tornar a leitura menos pesada. Reconheço, porém, que isso implicou algumas repetições mas, como já um dia ouvi, as repetições são também uma boa iniciativa pedagógica e um modo de destacar as principais mensagens.
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